Navegar na madeira
Nascida e criada entre a mata atlântica e o mar passei minha infância e adolescência brincando com o que a natureza oferecia. Um privilégio, sem a menor dúvida. Tive uma goiabeira de estimação e fui aquela criança que arrastava da praia pra casa qualquer galho ou pedaço de madeira que poderia, quem sabe, virar alguma outra coisa. Minha mãe sempre deixava, devemos a ela toda nossa facilidade de imaginar.
Essa introdução é pra contar que entrar numa marcenaria, usar as ferramentas, sentir o cheiro da madeira e fazer um objeto sempre foi um sonho pra mim. Fui da primeira turma do curso pra fazer o banco ofício nessa parceria da Caravelas com a Umauma. Não imaginava que seria tão grande o mundo que se abriu a partir daquelas semanas. Meu banco oficio está aqui na sala de casa e é uma das peças mais lindas que tenho. Sei que meus jovens mestres preferiam que ele estivesse todo marcado pelo trabalho, mas não consigo. Acabei inventando outra bancada pra fazer meus estragos.
Sou louca por madeira e apaixonada pelo Brasil. Por isso quando vejo a namoradeira guará me dá um quente no peito. Esse desenho orgânico, as pernas magrelas como as do lobo do cerrado, de pelo avermelhado, me emociona. Agora que sei um pouco sobre os processos fica tudo ainda mais bonito. O trabalho da plaina, o serrote japonês tão perfeito, a lasquinha de madeira que resolve. É uma belíssima arte a marcenaria.
No tempo em que me dediquei a fazer meu banco tive a chance de conviver com esses artesãos. Aprendi a me envolver com a madeira. Escolher o lado mais bonito, que pode ser o imperfeito. Lixar até que a textura te agrade as mãos. Os encaixes, o sentido dos veios, perceber os nós, usar tudo a seu favor. Foi como aprender a velejar. Não se briga com o mar, nem com a madeira.
Não é por acaso que os móveis e objetos que saem dessa marcenaria são tão lindos. De um suporte de parede para o violão ao berço com palhinha. Tudo com aquele acento brasileiro do qual temos para sempre saudade. Aquele Brasil de Guimarães Rosa, de Manoel de Barros (que adoraria uma colher feita pelo Ricardo), o país da simplicidade poética de Cora Coralina e de arquitetos elegantes como Sergio Rodrigues e Paulo Mendes da Rocha.
Na música somos o país da amálgama como diz Jorge Mautner. Eu estendo isso para todas as artes. Somos capazes de transformar o encontro de coisas diferentes, às vezes até antagônicas, em belezas únicas.
Na Caravelas, num galpão na Barra Funda em São Paulo, se encontram dois jovens artistas: Daniel, um arquiteto, e Ricardo, um psicólogo. Primos que fazem de seu ofício poesia para o cotidiano. E a arte, como sabemos, pode ser muito acolhedora. Num bule de café bem passado ou numa cama de encaixe perfeito. Nesse endereço temos os dois.
Patrícia Palumbo
Jornalista, radialista e criadoa do programa Vozes do Brasil.
Nas horas vagas, marceneira.




A Marcenaria Caravelas surgiu do desejo de estarmos juntos na oficina. Além de sócios, somos primos: Daniel e Ricardo, e compartilhamos o amor pelo desenho, pela madeira e pelo processo artesanal que ela nos permite explorar.
Somos uma marcenaria, e a dúvida sobre o que isso significa foi dando lugar a posicionamentos cada vez mais claros, ainda que sempre em questão. A partir de desenhos próprios, construímos mobiliário sob medida em madeira maciça. Somos uma marcenaria.
A maior parte do nosso tempo é dedicada a encomendas personalizadas. Nesse processo, ouvimos com atenção o que nossos clientes imaginam e buscamos transformar suas ideias em realidade. Cada detalhe importa: das dimensões do espaço aos ritmos da vida, da escolha da árvore ao tipo de acabamento. Queremos que cada peça faça parte da vida de quem a recebe.
Também reservamos espaço para explorar nossas próprias inspirações. Assim, nascem produções únicas, sem destino certo, nas quais experimentamos técnicas, formas e funcionalidades. Essas criações são nossa expressão mais livre, onde a madeira se torna nossa parceira criativa. São momentos de experimentação, sem pressa e sem modelo, em que nos permitimos desvendar o potencial do material e das ferramentas. A madeira se apresenta de forma única, inspirando-nos a pensar em novos usos, estéticas e interpretações de um objeto.
É nessa liberdade que vamos encontrando os caminhos de linguagem do nosso trabalho: a criação guiada pela relação dialógica entre madeira e aço.
Além de criar, nos propusemos a compartilhar nosso conhecimento e paixão pela marcenaria. Em nossas aulas, não apenas ensinamos técnicas e manuseio de ferramentas, mas também as ideias que guiam nosso trabalho: o respeito pelo material, a paciência em cada etapa, o amor pelas ferramentas e a importância de se conectar com a madeira, entendendo seus detalhes, texturas e particularidades. Nossos alunos encontram um ambiente de troca, onde aprendem a transformar ideias em peças reais, desenvolvendo habilidades que vão além do prático e atingem o sensível. Acreditamos que ensinar é uma forma de manter viva a tradição artesanal e de inspirar as pessoas a criar com as próprias mãos.
Somos o que somos, e nosso desenho parte, inevitavelmente, da nossa noção de construção com a matéria que vem das árvores, sempre na trilha da vontade de explorar uma nova ferramenta, uma nova ideia… A madeira tem vida própria, é instável, imprevisível e permeável. Nós também.
Caminhamos pelo desejo de criar e pela vontade de fazer um trabalho que alimente algo em alguém. Esse é o nosso compromisso: fazer dar certo o que a gente gosta de fazer. E a gente faz.
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Daniel Guimarães
Ricardo Bulcão